Monday, July 12, 2010

[ZH] Os oitenta por cento [por Sérgio da Costa Franco*]

Em junho eu publiquei aqui um artigo de Sérgio da Costa Franco, intitulado Laicidade do Estado e Imparcialidade Religiosa
(link aqui)

Ontem (11/07) ele publicou outro, em que ele relata as reações que ele teve em decorrência daquele artigo. Basicamente, as pessoas pensam que porque a maioria da população é católica, então a minoria tem que "engolir" o catolicismo. Isso caracterizaria uma ditadura da maioria, e não condiz de forma nenhuma com o Estado Laico.
"Uma dama queria até privar-me do direito de escrever em jornal, por ser um ímpio..."

O artigo:

[ZH]-Os oitenta por cento [por Sérgio da Costa Franco*] (http://tinyurl.com/3a4vhq7)

Um tema que sempre ocupou e preocupou os publicistas é o do limite do poder das maiorias na sociedade democrática.

Leio no magistral Tocqueville (A Democracia na América) que é da própria essência dos governos democráticos o império da maioria. Mas o autor passa a discutir, no mesmo capítulo, os resultados da onipotência do número e da tirania que ela por vezes impõe à sociedade. Se admitimos, diz ele, que um homem revestido do poder extremo pode abusar dele contra seus adversários, por que não admitiremos que a mesma coisa possa acontecer com uma coletividade? “Os homens, ao se reunirem, terão mudado de caráter?” E pondera que, acima da lei imposta pelas maiorias, existe uma lei maior que é a da justiça nas relações humanas.

Analisando os efeitos que a tirania do número exercia sobre o caráter nacional e a cultura dos norte-americanos, Tocqueville se alarmava e terminava por afirmar: “Se um dia vier a se perder a liberdade na América, será preciso atribuir esse acontecimento à onipotência da maioria, que terá levado as minorias ao desespero”. Por sorte, a tolerância prevaleceu na sociedade norte-americana, e os temores de Tocqueville não se justificaram.

Quando em meu último artigo defendi o princípio de igualdade no tratamento das religiões e apoiei o ato da direção do Hospital de Clínicas em transformar a capela católica ali existente num espaço neutro, para a prática de todos os credos, recebi várias contestações, algumas por via eletrônica, outras pela imprensa. Uma dama queria até privar-me do direito de escrever em jornal, por ser um ímpio... Mas quase todas fundavam-se no fato de que o catolicismo romano seria majoritário, e por isso poderia atropelar a regra constitucional da laicidade do Estado e de sua neutralidade em face das religiões. Alegou-se até que 80% dos brasileiros seriam católicos, cifra que merece alguma discussão, a menos que se considerem católicos todos os que foram batizados na Igreja romana, e que hoje se limitam a frequentar missas de sétimo dia. A cifra abrangerá também o sincretismo dos católicos umbandistas, kardecistas e outros muitos que apenas engrossam a tabela dos recenseamentos, sem nenhuma identificação com os dogmas da Igreja. Há, de fato, uma cultura católica dominante, que veio ao Brasil com as caravelas de Cabral e que se consolidou com alguns séculos de religião oficial. Mas que haja 80% de fiéis católicos, é matéria mais que discutível.

Entretanto, dando de barato que haja essa proporção (apesar dos seminários fechados, dos templos vazios e do avanço indiscutível de outras confissões religiosas), o fato ou a lenda não alteram a circunstância de haver uma regra constitucional a estabelecer imparcialidade do Estado em face das religiões e proibição ao favorecimento de qualquer delas.

De resto, a doutrina de que as maiorias tudo podem autorizaria o presidente Lula (que também desfruta de 80% de apoios) a proclamar-se imperador, restabelecer a monarquia e consagrar a dinastia dos “da Silva”...
*Historiador


Sobre a importância do Estado Laico, tem uma postagem minha sobre isso aqui.

1 comment:

  1. concordo plenamente. acabei de ler um artigo no bule voador que fala do estado laico tambem.
    http://bulevoador.haaan.com/2010/07/12/virus-divinos/
    fikdik

    mas, vamos combinar, que silva não é um bom nome pra uma dinastia. serio.

    :D

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