Há vários anos eu ouvi essa expressão, mas não me lembrava exatamente do contexto. Ela me pareceu muito apropriada, no entanto, para descrever a sensação que nos dá quando nos defrontamos com a idéia de que estamos sozinhos diante do Universo. Quando chegamos à conclusão de que não há nenhum ser sobrenatural para nos proteger, a primeira sensação é de desamparo; dá medo. A intensidade deste medo vai variar dependendo de o quanto a pessoa esteve mergulhada no pensamento religioso, mas em algum grau sempre acontece, com exceção daqueles que se tornam ateus ainda muito jovens, antes de desenvolver a dependência psicológica em relação a essa "entidade divina".
De onde surgiu?
A história por trás da expressão é interessante. Começou com uma entrevista que o Vides fez comigo por e-mail quase cinco anos atrás para um livro que estava escrevendo, e que ainda vai ser publicado.
Uma das perguntas era:
8 - A busca do conhecimento leva, obrigatoriamente, ao ateísmo?
E na próxima resposta acabei falando de novo neste conceito:Re: Não, mas favorece. Depende muito de que premissa a pessoa parte. Conheço pessoas que têm muito conhecimento, mas como partem da premissa de que existe um deus, só levam em consideração os argumentos que favorecem essa perspectiva. Para que o conhecimento leve ao ateísmo é necessário que a pessoa seja muito honesta, e que seja capaz de enfrentar algumas verdades muito duras, entre elas aquilo que eu chamo de ‘solidão cósmica’.
9 - O que é deus?
Re: Complicado. Acho que vem em parte da necessidade de se sentir protegido, em parte porque o ser humano não consegue aceitar a sua própria finitude. É difícil enfrentar a solidão cósmica.Segundo Freud, ‘deus’ é a figura paterna, e tanto pode ser protetor ou punitivo, ou as duas coisas. De qualquer forma, a religiosidade extrema geralmente é sinal de imaturidade, incapacidade de tomar decisões.
Ele ficou curioso e pediu que eu desenvolvesse melhor esse conceito de "Solidão Cósmica".
Minha resposta:
Olhando na internet, eu vi que tem a ver com Carl Sagan, mas tem a ver com o fato de não termos contato, nem saber se existem outros habitantes em outros planetas. Eu comecei a usar o termo para definir também a sensação de desamparo resultante de não acreditar em um deus. Essa idéia eu peguei de um livro de Flávio Gikovate, mas acho que ele não usou essa expressão.
A idéia é que perante o Universo somos nada, totalmente insignificantes. Não havendo um deus para nos proteger e guiar (e punir), estamos sozinhos, desamparados. Somos obrigados a decidir por nós mesmo, assumir a responsabilidade total pelas nossas vidas, e isso é difícil. Isso torna as pessoas mais importantes, na medida em que são a única fonte de apoio. Também faz com que sejamos obrigados a aceitar a imperfeição como sendo inevitável, entender que a vida não é justa e o mundo não é bom, nem nunca será.
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Continuando.
A aquisição de conhecimento nunca será o suficiente para levar alguém a rever os seus conceitos, principalmente os mais caros e mais profundamente arraigados. É preciso uma honestidade quase brutal, é preciso ser capaz de enfrentar a dor de perceber que estamos enganados e nos enganando. Enfrentar a nós mesmo é a coisa mais difícil que existe, e admitir que estamos errados gera um sofrimento psíquico muito difícil de suportar.
Mas depois que o medo passa, depois que a sensação de desamparo é aceita como consequência inevitável da independência, muita coisa muda para melhor. Uma das sensações que surge é uma incrível sensação de liberdade. Se não há ninguém para nos proteger, também não há ninguém para nos punir. A responsabilidade que nos é imposta neste processo, também implica em libertação de "pecados imaginários"; não existe pecar em pensamento, só importam os resultados concretos de nossas ações. Estamos sozinhos perante o Universo, é verdade, mas temos uns aos outros; a solidariedade humana assume uma dimensão inteiramente nova.
Superando o medo e a sensação de desamparo, finalmente encontramos paz.
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