Há mais de trinta anos houve um homicídio na cidade onde eu morava, um dos inspetores matou a tiros o Delegado.
Quando o caso foi a julgamento, eu disse, "Sabem o que vai acontecer?
A vítima será julgada culpada e merecedora da morte que teve."
Dito e feito, foi o que aconteceu. É claro que houve alguma condenação, mas o julgamento realmente girou em torno de tudo que o Delegado fez para merecer a reação do inspetor.
Lendo o artigo do Marcos Rolim este domingo, A justiça e o cego, me lembrei daquilo ao ler o seguinte trecho:
"Há algo de muito errado com um País em que as vítimas correm o risco de serem consideradas culpadas por decisões judiciais. Algo de substancial na própria ideia de justiça é ameaçado pela insensibilidade e pela cegueira moral de que nos fala Bauman. Todos devem concordar, a começar pelos melhores magistrados, que uma Justiça que não ofereça exemplos de retidão, que se dobre diante de privilégios, que alimente a obscuridade de atos tomados em benefício próprio, produz orfandade ainda mais radical do que aquela que a política já nos legou.
A pergunta, então, se confunde com o desespero:
e se nos faltarem juízes justos, recorremos a quem?"
Boa pergunta.
Recorremos a quem, quando toda a sociedade acha que a vítima é que 'provocou', que a vítima não devia estar ali, que a vítima fez algo para 'merecer' o ataque que sofreu?
É exatamente este o caso das mulheres que são assediadas, agredidas e estupradas, com a 'desculpa' de que estavam bêbadas, estavam de roupa curta, estavam na rua 'aquela hora'. etc.
Até quando?