Tuesday, January 4, 2005

Matéria sobre Ateísmo



Na Revista das Religiões, da Abril, edição de janeiro, tem uma matéria
sobre ateísmo. Um tempo atrás dei uma entrevista por e-mail para
Alexandra Gonsalez, a responsável pela matéria. Como na reportagem saiu
apenas um resumo do que respondi, coloco à disposição dos interessados
a entrevista na íntegra aqui.

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 1 - Conte um pouco sobre sua família, sua criação já sem dogmas
religiosos e como é encarada na Finlândia a questão da escolha de uma
religião ou de nenhuma.



Minha familia mudou para o Brasil quando eu tinha 13 anos. Na Finlândia
o ateísmo é muito bem aceito, não havendo conflito, é respeitado. A
maioria das pessoas fazem parte da igreja por motivos sociais. Poucos
são realmente convictos ou fanáticos. Não fui batizada porque lá, ou se
é batizado (a igreja é estatal), ou se é inscrito no registro civil.

Minha avó saiu da igreja para casar com meu avô paterno, este sim um
ateu militante na época. Ele fazia parte de uma organização que lutava
pelo direito das pessoas casarem no civil, pois até 1921 não havia essa
opção. Hoje opta-se por casar ou na igreja, ou no cartório, os dois são
igualmente válidos. A maioria casa na igreja porque acham bonito, só.

Eu entrei em contato com a religião no Jardim de Infância, aos 4 anos.
A visão que me deram foi muito bonita, aquele homem (Jesus) tão bondoso
que gostava de crianças, etc. Lembro que meus pais deixaram bem claro
que não acreditavam naquilo, e eu segui com aquela religiosidade
infantil até os 8 anos, quando senti que não conseguia mais acreditar
também. A partir disso eu me assumi como atéia, e nunca percebi que
isso pesasse na maneira como as pessoas me tratavam.





 2 - Como foi para seus pais ou avós declararem-se ateus há algumas décadas no Brasil? Eles ocultavam essa escolha?



Meus pais é que mudaram para o Brasil, e para eles essa questão nunca
foi uma preocupação. Nem pensavam sobre o assunto, acho. Não escondiam,
mas também não alardeavam.





3 - Em algum momento de sua vida você chegou a flertar com alguma religião, sentindo vontade de converter-se em alguma crença?



Aos 21 anos, já casada, entrei em contato com uma definição que era
mais aceitável para mim do que o deus personificado tradicional, a de
um “deus” tipo “energia”. Isso me levou a uma longa busca em que
estudei de tudo: Rosacrucianismo, Poder Mental, Controle Mental,
Energia das Cores, Gnose, Astrologia, Ets.Até li a Bíblia inteira
tentando achar respostas . Eu tentei, com toda sinceridade, descobrir
se havia algo que realmente funcionasse, que pudesse ser algum tipo de
fonte de conhecimento ou "sabedoria", particularmente a Astrologia.
Levei muito tempo, mas porque o ceticismo estava sempre lá, no fundo da
minha mente, me advertindo para desconfiar até prova cabal de
autenticidade, acabei desistindo e percebendo que estava me iludindo.
Foi aí, por paradoxal que possa parecer, que finalmente me senti em paz
comigo mesmo. Aceitei que não há uma “verdade absoluta”.



 4 - Quando você formou sua própria família, houve cobrança de
amigos ou na área profissional para um casamento religioso? A família
de seu marido também é de ateus? Se não, como foi esse intercâmbio de
dogmas?



Na época em que casei, eu deixei bem claro que não concordaria em me
batizar, se essa fosse uma condição para poder casar na igreja. O meu
sogro conseguiu convencer o pastor a nos casar assim mesmo. Meu
marido  achava que pertencer à igreja era praticamente como
pertencer a um clube, mais como uma associação comunitária (do ponto de
vista comunitário, a igreja já teve um papel muito importante). Nem
todos da família do meu marido são ateus, mas meu marido sempre foi
ateu, até mais do que eu.. Ele havia aprendido a esconder o que
pensava, pois no meio em que ele cresceu, a pressão existia.



5 - Hipoteticamente, adquirimos alguns valores e freios sociais, éticos
e morais através de nossa formação religiosa, independentemente da
crença. Em uma família de ateus, ou não crentes, como é encarada essa
questão e passado esses mesmos valores?



Eu aprendi desde pequena que devemos sempre agir corretamente com as
pessoas, que não se deve fazer o que não queremos que façam com a
gente, não porque um deus vai castigar, mas porque é assim que deve
ser. Mais por questão de respeito, respeitar os outros para que nos
respeitem. O exemplo dos pais pesa mais que qualquer outra coisa, e eu
sempre vi meus pais agir com ética e consideração. O mesmo aconteceu
com meu marido.



6 - Por outro lado, como é criar filhos ateus em uma sociedade permeada por dogmas religiosos?



É difícil evitar a influência externa sobre os filhos. Tentamos educar
mais pelo exemplo. As crianças sempre puderam ver as injustiças que a
igreja fazia. Coisas do tipo o padre condenar pessoas viuvas que tinham
namorado, a condenação das mães solteiras, etc. Isso nós comentávamos
em casa e eles viram na prática. Sempre viram que a consciência e o bom
senso  eram guias melhores do que o dogma, mas não fizemos nenhum
esforço para convencê-los a ser ateus. Nossos filhos tiveram ensino
religioso convencional, achávamos importante que fizessem o ensino
confirmatório, para que tivessem conhecimento necessário para fazer uma
escolha mais tarde. Dessa forma tiveram noção do que diz a religiao e
de como é executada na prática. Depois, por convicção própria, deixaram
de ir a igreja.



7 - A decisão de batizar seus filhos na fé luterana foi algo que “doeu”
muito em sua consciência? O que a motivou tomar essa atitude sendo uma
atéia convicta? Atualmente algum de seus filhos ainda freqüenta a
igreja? Como as pessoas da igreja luterana reagiram quando sua família
“saiu do armário”?



Batizar os filhos era apenas uma formalidade, não me importei com isso,
mesmo porque nessa época eu já estava entrando na minha busca pessoal.
Nenhum de meus filhos freqüenta a igreja, são todos ateus convictos.
Quando nós abrimos a questão de sermos ateus, já não morávamos na
cidade onde participávamos da igreja. Soube que algumas pessoas ficaram
chocadas, mas as pessoas com quem conversamos depois disso não
demonstraram nenhum preconceito.



 8 - Qual sua formação profissional? Acredita que sua profissão de alguma maneira a influenciou para seguir atéia?



Sou professora, mas em termos de escolaridade, não tenho formação
universitária completa. Acredito que o que mais me influenciou a
ser  atéia foi o fato de meus pais terem me ensinado a pensar
criticamente e  a ser cética. Sempre fui muito curiosa e estudo
variados assuntos por minha conta, tais como as descobertas recentes no
campo da neuropsicologia e genética. Sempre tive o costume de ler, leio
muito, e acho que o fato de entrar em contato com muitos tipos de
opiniões diferentes faz com que se tenha base para formar uma opinião
própria.



 9 - Depois de assumir o ateísmo, sua família sofreu algum tipo de preconceito? Vocês ainda vivem em Guaíba?



Assumimos abertamente o ateísmo logo depois de nos mudarmos para
Guaiba, e ainda vivemos aqui. Não posso afirmar com toda certeza que
não sofremos nenhum preconceito mas, se aconteceu, foi tão disfarçado
que não percebemos. Não costumo alardear o fato mas, se me perguntarem,
eu falo o que penso. Por outro lado, nós não tentamos convencer ninguém
a ser ateu, é uma questão muito pessoal. A religiosidade moderada não é
um problema, principalmente se a pessoa age com bom senso. A única
situação em que eu me manifesto é quando eu vejo que uma pessoa está
sendo manipulada e explorada por organizações religosas, ou sendo
prejudicada de qualquer forma. Nestes casos eu procuro fazer a pessoa
ver que ela não precisa se submeter a isso, mas não tento convencê-la a
deixar de crer.







10 - Você se sente, ou já se sentiu discriminado por sua opção de não crer? Em quais situações?



Não que eu saiba, talvez porque não faço disso motivo de discussão com as pessoas.





11 - Como no livro de Umberto Eco, em que crêem os que não crêem? O que
preenche uma suposta necessidade de crer ou a que você recorre em casos
como doença ou morte entre entes queridos?



Para nós, o mais importante são os relacionamentos que cultivamos,
familiares e de amizade. Conviver bem com quem está perto de nós,
ajudar quem podemos, isso tudo traz uma grande satisfação. A aceitação
dos nossos limites e imperfeições, assim como os dos outros são
essenciais para viver bem. Sabemos que doenças e morte vem para todos,
religiosos ou não. Fazem parte da vida, gostemos ou não, e atinge a
todos; devem ser aceitas. Meu marido é Médico Veterinario, assim todos
sempre estivemos de alguma forma em contato com doenças e mortes de
animais, e isso talvez nos tenha ajudado a compreender que não é uma
questão de recompensa ou castigo. A minha postura é de que a vida não é
perfeita, as dificuldades sempre vão existir, mas a gente precisa viver
da melhor forma possível e tentar ser feliz.



12 - Acredita que a opção pessoal pelo ateísmo ainda é confundida com escolhas políticas ligadas ao anarquismo e ao socialismo?



No meu caso particular, não, mas em geral acho que muitas pessoas fazem
essa confusão.Num mundo onde a maioria só conhece o que vê na  Tv
, onde poucos lêem  ,onde a igreja católica dita a maioria das
regras , a maior parte da população ignora a diferenças de ideologias.
A maioria das pessoas  não lêem, não tem interesse em saber mais e
acabam sendo simplesmente conduzidas e manipuladas pelas religioes sem
questionar nada, confundem tudo. A maioria nem sabe que há enormes
diferenças entre o ateísmo, de um lado,  e o nazismo, comunismo,
anarquismo, fascismo, etc., do outro. A única coisa que os ateus têm em
comum é a ausência de crença em qualquer divindade. Fora isso, podem
variar enormemente em suas características, inclusive  políticas.



13 - Você acredita que o número de ateus no Brasil tende a crescer? Por que?



Não, não acho que no momento esteja crescendo. O que acontece
atualmente é que o acesso maior à internet está possibilitando que os
ateus dispersos em várias regiões entrem em contato uns com os outros.
E as pessoas agora têm mais coragem de admitir que são ateus. Acho que
é por isso que as associações céticas e atéias estão aparecendo mais.
Eu, por exemplo, tomei conhecimento da Sociedade da Terra Redonda
(www.str.com.br) através da internet. Participo dela desde abril de
2000. Acho que essa organização dos ateus e céticos é importante para
evitar que leis baseadas em conceitos religiosos permanecam em vigor ou
sejam criadas. Um exemplo foi o divórcio, que demorou a ser permitido
no Brasil. Leis deste tipo não podem ser impostas a toda uma população,
são preceitos exclusivos de algumas religões.

Em épocas de crise, quando as pessoas se sentem desamparadas, tendem a
se agarrar em qualquer coisa que lhes dê segurança. Por isso a
influência, não só das religiões, mas de todo tipo de crendice e
pseudociência, tende a se acentuar. Infelizmente. Certas religioes são
apenas negócios que funcionam bem nas épocas de crise, fornecem
esperança em troca de dinheiro.  E estamos em uma época em que
todos precisam de esperança .Tem havido também um aparecimento de novas
religiões mais carismáticas que as convencionais, ao mesmo tempo mais
enganadoras, voltados para o lucro. Muitas pessoas vão procurando e se
decepcionando com as religiões e algumas acabam achando a paz no
ateismo. Outras passam eternamente em busca da religião “certa”.