Sou ateia de quarta geração. Meus bisavós e avós pelo lado paterno, assim como meus pais, eram ateus. Meu avô participava de uma organização de livrespensadores na Finlândia mais de cem anos atrás, a Prometheus. Cresci portanto sem que me falassem nada sobre religião, sem irmos à igreja e sem rezas e orações. Só entrei em contato com a religião aos 4 anos no Jardim de Infância, e é claro que nada disso era reforçado em casa. Mas aquelas histórias que contavam sobre Jesus, um homem tão bondoso que gostava muito de crianças evidentemente me cativou, como cativaria qualquer criança. Então fui teísta dos 4 aos 8 anos; até ia com alguma amiga para a tal Escola Dominical às vezes, e meus pais nunca proibiram. Lembro de forma muito nítida como foi quando deixei de acreditar, me senti angustiada por não conseguir mais crer e eu até rezei dizendo isso para o deus em que não conseguia mais acreditar.
A partir deste momento me assumi ateia, meus pais inclusive me liberaram das aulas de religião na escola, e nunca vi nenhum problema no fato. Na Finlândia não há esse conceito de que "ateus são imorais", pelo menos eu nunca senti isso nas pessoas com quem convivia. Na verdade o assunto raramente era levantado, não se falava sobre isso e para mim era simplesmente algo normal.
Meu pai veio trabalhar no Brasil em 1970, quando eu tinha 13 anos. Mesmo aqui no Brasil, na época, não parecia ser um problema ser ateu, nunca me senti rejeitada por causa disso. Continuava sendo algo normal, e eu pratcamente não falava sobre isso com ninguém. Não era importante.
Quando casei, aos 18 anos, surgiu a questão por causa do casamento religioso. A família do meu marido era luterana (IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil), mas do tipo que pertence à igreja como quem pertence a um clube. Sempre deu para perceber que o meu sogro (a mãe do meu marido já era falecida) não era religioso, nunca iam à igreja e nunca falavam sobre isso. Mas a formalidade do casamento na igreja era importante para eles por causa da tradição, e por causa de uma vó e uma tia pelo lado materno do meu marido, que eram bastante católicas. Da minha parte, nem mesmo o casamento civil chegava a ser importante, mas era outra época (1974), eu estava grávida, e decidimos que casar era o mais acertado. Mas o meu limite era que eu não me batizaria, me recusava a fazer essa concessão porque não estava disposta a ser hipócrita. O meu sogro era parente de um pastor, que concordou em nos casar sem eu ter que cumprir essa formalidade. Casamos e fomos morar no Paraná durante algum tempo, onde terminei o Segundo Grau em uma escola católica; nunca escondi o fato de ser ateia nem mesmo ali.
Depois nos mudamos para o interior do RS, onde o meu marido foi contratado para trabalhar em uma cooperativa, com a função de atender vacas e porcos nas propriedades rurais. Alugamos uma casa cujos donos eram nossos vizinhos, uma família descendentes de alemães muito simpáticos e que nos acolheu muito bem. Eram luteranos da mesma igreja (IECLB) que a família do meu marido, e nós os acompanhamos a um culto para nos entrosar na comunidade, e fomos muito bem recebidos. Mas ainda não havíamos nos filiado à paróquia local, embora tivessemos batizado os dois primeiros filhos por conta do meu sogro ser membro da paróquia de Porto Alegre. Eu não fingia ser religiosa para ninguém, e não me senti pressionada a ser.
Depois que o nosso segundo filho nasceu, eu já com 21 anos, entramos em contato com os Rosacruzes. Foi assim que me foi apresentada um conceito de deus como sendo um tipo de energia, não mais o deus antropomórfico cristão (esse tipo de crença estava definitivamente descartada por mim). Por algum motivo esse conceito me atraiu e começamos a fazer um curso por correspondência. Depois de algum tempo concluímos que aquilo estava nos exigindo cada vez mais tempo, que nós com filhos pequenos não tínhamos. E também percebemos um certo "comercialismo", como venda de correntinhas, incensos, etc, além de também sutilmente pedir que divulgássemos para conseguir mais membros.
[Aí já estávamos curiosos a respeito dessas coisas todas relacionadas ao "poder do pensamento", e participamos de um curso de "Poder Mental" que apareceu na cidade. Comprei alguns livros sobre gnose, li sobre quase tudo que tinha de pseudociências e misticismos nas revistas da época. Na década de 1980 a ufologia se tornou muito popular, assim como a astrologia. E tudo isso me levou para uma busca que durou mais ou menos dos 21 anos aos 43.]
Voltando, uma das coisas que os Rosacruzes recomendavam era que se participasse de alguma igreja. Aqui cabe explicar que na Finlândia era (e deve ser ainda) muito comum que as pessoas participassem da igreja como forma de socialização, e para fazer algum trabalho comunitário. Não que as pessoas fossem especialmente religiosas, na maioria eram do tipo "light" ou até mesmo ateus, porque a igreja lá é estatal, de modo que muito são membros da igreja porque foram batizados pelos pais e simplesmente não se dão ao trabalho de sair; não é relevante.
Com esse exemplo em mente, e porque na época tínhamos feito amizade com o pastor local que era um homem muito inteligente e esclarecido e que havia me passado inclusive o conceito do "Estudo Histórico-Crítico da Bíblia". Ou seja, não precisamos levar a Bíblia ao pé da letra, e não precisamos acreditar em tudo que está nela. E ele gostava de conversar conosco e eu percebia que ele fazia questão de ouvir as minhas opiniões e as valorizava. Por causa de tudo isso, porque eu queria fazer parte do grupo, porque eu pensei que conseguiria fazer algum trabalho social relevante, e porque havia desenvolvido esse conceito de "deus=energia" que eu conseguia aceitar, decidi me batizar.
Durante vários anos participamos ativamente nas atividades da paróquia, e durante esse tempo todo eu fui deista. Não mais acreditava em um deus personificado, mas em algum tipo de "energia". Mas o mais importante é a parte social, o convívio com as pessoas; somos seres sociais e precisamos deste contato. Durante todos estes anos pagamos a anuidade devida à paróquia. Nossos filhos fizeram o Ensino Confirmatório porque o meu marido achava que era importante cumprir com essas formalidades. Eles tiveram a oportunidade de decidir por si mesmos se queriam continuar fazendo parte da igreja.
Só depois de 20 anos é que eu me afastei da igreja e não quis mais participar. Foi neste momento que o meu marido não concordou em oficializar este afastamento, porque ele havia recentemente deixado de ser funcionário da cooperativa e agora trabalhava como terceirizado; haviam outros veterinários na cidade e ele ficou receoso, achando que um ruptura poderia afastar alguns produtores que eram da nossa paróquia. Não acho que tivesse feito diferença, mas do ponto de vista do meu marido sempre foi importante fazer parte da igreja, essa foi a herança cultural que herdou da família, fazia parte da identidade dele. Portanto a decisão foi dele, não minha.
Quando nos mudamos pudemos finalmente nos desligar definitivamente.
Se alguém quiser perguntar mais alguma coisa, fique à vontade.