Sim, sou a dona da página, supondo que alguém ainda não saiba.
Ao mesmo tempo eu via notícias de outros países, onde havia reclamações das mulheres por causa do assédio que sofriam nas ruas. E tem um projeto, The Everyday Sexism Project (também no Facebook) que também me inspirou, além de uma página em espanhol, "No quero tu piropo, quiero tu respeto!" ('não quero a tua cantada, quero o teu respeito'). O fenômeno é geral e acontece em muitos países pelo mundo, não só no Brasil.
Fiquei curiosa e decidi saber mais sobre a realidade brasileira. A minha expectativa inicial era de que haveria tanto relatos positivos quanto negativos. Fiquei bastante surpresa com a intensidade dos relatos que vieram. Percebi que muitas mulheres não se sentiam seguras para postar as suas histórias, e decidi abrir espaço para que postassem de forma anônima. Aí vieram relatos ainda mais pesados, alguns abordando tentativas de estupro, assédio no trabalho, abuso na infância. A princípio eu tentei separar as coisas dizendo que aquele relato não era pertinente, mas percebi que aquelas mulheres tinham uma ânsia por contar as suas histórias e que elas não tinham nenhum outro lugar onde desabafar. Acabei mudando o enfoque da página e passei a acolher todo tipo de relato, não tive como negar a elas essa oportunidade. E, pensando bem, acaba tudo fazendo parte de uma mesma mentalidade, a de que um homem tem o 'direito' de se impor a uma mulher, seja por meio de um assobio, cantada, assédio, grosseria, ou por passar a mão sem permissão, até chegar ao estupro. É um continuum. Não quer dizer que quem faz uma dessas coisas fará todo o resto, apenas que o modo de pensar faz parte de um padrão.
O resultado são mais de 350 relatos até o momentos, a maioria deles anônimos, e a página tem mais de 2.500 curtidores. Isso proporcionou uma excelente troca de ideias, em que as mulheres podem manifestar apoio e aconselhar umas às outras. Há inclusive a presença e participação de vários homens solidários (e também algumas manifestações contrárias por parte de homens que não entendem e/ou não admitem perder o seu 'privilégio').
Nestes poucos meses de existência já houve uma sutil mudança. Cada vez com mais frequência vem relatos de mulheres que conseguiram reagir e responder a um assédio que sofreram. E cada vez que isso acontece, as outras exultam e dão os parabéns.
Esse é um projeto que vai continuar, e vai se expandir. Já surgiram ideias de ações concretas, como distribuir cartões e folhetos para conscientizar as pessoas do problema. Existem algumas páginas que tem tudo a ver, "Responda uma cantada hoje", e a "Feminismo que cola". Também tem uma em inglês, "Hollaback" (literalmente "grite de volta") que forneceu algumas ideias boas
Para finalizar o assunto é preciso fazer a ressalva de que não se trata de querer proibir qualquer contato entre homens e mulheres em espaços públicos. Há alguns relatos positivos na página, mas que constituem em torno de 1 (um) % do total dos relatos que recebi. E esses tem um fator em comum - respeito. Foram abordagem muito respeitosas e que não fizeram com que a mulher se sentisse constrangida nem ameaçada. Um exemplo é o relato de número 334. Outro é esse - https://www.facebook.com/CantadaDeRua/posts/173228569488665
Teve também uma discussão sobre qual seria o limite do bom gosto para abordar uma mulher, considerando que o homem estivesse realmente interessado em conhecer melhor a mulher - https://www.facebook.com/CantadaDeRua/posts/171166753028180
Aos que estão com os dedos coçando para escrever comentários contra essa postagem, peço que leiam mais relatos na página e se informem melhor. E, principalmente, ativem a sua empatia, por favor. Mesmo um elogio pode estar fora de propósito por vários motivos. Vocês não sabem se ela é casada/tem namorado, não sabem se ela não acabou de sair de algum relacionamento e só quer ser deixada em paz, ou ela pode estar triste ou perturbada por algum outro motivo, ou então simplesmente está concentrada em seus afazeres. Há muitos bons motivos para deixar as mulheres em paz na rua.
Sugiro a leitura do meu post anterior para melhor compreensão da história das cantadas, e também o post A 'santa' e a 'puta' - a origem das cantadas de rua.
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Até que enfim um espaço para que esse problema saia do invisível.
ReplyDeleteParabéns pelo projeto!
Que exagero, eu já fui chamada de linda na rua várias vezes e não carrego rancor por isso. Receber cantada, buzinada, elogio faz bem pra auto-estima da mulher.
ReplyDeleteDiga isso para as mulheres que enviaram os relatos na página. Tem coragem de ir lá debater?
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