Já cansei de ver gente dizendo que estamos usando a 'Falácia do escocês' quando dizemos que certos grupos ou pessoas não são realmente feministas, mesmo quando se intitulam como tal. Vou tentar explicar porque isso é falso.
A 'Falácia do escocês' original é assim -
“Nenhum escocês coloca açúcar em seu mingau”. Você contra-argumenta dizendo que seu amigo Angus gosta de açúcar no mingau. Então eu digo “Ah, sim, mas nenhum escocês de verdade coloca”.
Outro exemplo seria se eu dissesse que "Todo gaúcho gosta de churrasco". Se alguém diz que conhece vártios gaúchos que não gostam de churrasco, a resposta poderia ser "Mas esses não são gaúchos de verdade". Isso também se encaixa na 'falácia do escocês'.
Porque isso não se aplica ao feminismo? A razão é simples. Ser gaúcho ou escocês não é um comportamente escolhido ou uma filosofia adotada, você simplesmente não tem escolha quanto ao lugar em que nasce.
Mas suponhamos que alguém diga que conhece um ateu que acredita em divindades. Seria 'falácia do escocês' dizer que este não é um ateu de verdade? Ou alguém que se diz honesto mas age de forma desonesta, seria falácia dizer que essa pessoa não é verdadeiramente honesta?
Feminismo parte da premissa de que as mulheres devem ter os mesmos direitos, dignidade e respeito na sociedade que os homens. Se uma pessoa ou organização agem de forma contrária a isso, defendendo a supremacia das mulheres, misandria e matriarcado, então posso sim dizer que não são feministas de verdade, porque não estão agindo de acordo com a premissa básica do feminismo, que é a igualdade de gêneros.
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Roberto Takata teve a gentileza de corrigir e complementar a minha postagem. Vou postar abaixo na íntegra o seu comentário:
Acho que a aplicação ou não do "ser/não ser um de verdade" não depende de se ter ou não escolha quanto a se pertencer ao grupo em questão.
A questão do ateu crente é que *por definição* um ateu não crê em divindades.
Já colocar açúcar em mingau ou gostar de churrasco não é uma propriedade *por definição* de escocês ou de gaúcho.
Por exemplo, ser cientista ou não não é uma questão de nascimento. As pessoas escolhem se querem ser e trabalham para isso. Se alguém diz: "nenhum cientista acredita em deus" e se apresentar vários cientistas que acreditam em deus, teremos a falácia do escocês se disserem que "nenhum cientista de verdade acredita em deus".
[]s,
Roberto Takata
Meus agradecimentos, Roberto.
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Acho que a aplicação ou não do "ser/não ser um de verdade" não depende de se ter ou não escolha quanto a se pertencer ao grupo em questão.
ReplyDeleteA questão do ateu crente é que *por definição* um ateu não crê em divindades.
Já colocar açúcar em mingau ou gostar de churrasco não é uma propriedade *por definição* de escocês ou de gaúcho.
Por exemplo, ser cientista ou não não é uma questão de nascimento. As pessoas escolhem se querem ser e trabalham para isso. Se alguém diz: "nenhum cientista acredita em deus" e se apresentar vários cientistas que acreditam em deus, teremos a falácia do escocês se disserem que "nenhum cientista de verdade acredita em deus".
[]s,
Roberto Takata
Tem razão, o meu exemplo foi bastante limitado. Me ative à definição da falácia original e não me aprofundei.
DeleteObrigada pela correção.
Abraço
Tentar definir o que é ou não "ser escocês" é uma prática comum em diversos grupos, inclusive os que defendem causas bastante razoáveis.
ReplyDeleteEntre ateus há os colegas que tentam definir posturas mais ou menos tolerantes, por exemplo, devam ser a essê4cnia do ateísmo, os que defendem homofobia e querem dizer que todo ateu deva odiar gays e afins, os que defendem machismos a partir de explicações psico-evolutivas chulas, etc.
E todos eles são ateus (em alguns casos, infelizmente).
Ao mesmo tempo, me parece, grupos e posturas feministas tem o mesmo tipo de problema. Há grupos "anti-pornografia" que defendem que toda e qualquer utilização da nudez feminina seja machista, ao mesmo tempo que as "vadias" (grpo com quem me identifico mais), entende que o corpo é da mulher e cada uma faz o uso que bem entender.
Qualquer que seja o caso, entretanto, todos são feministas, pois, ainda que com maior ou menor grau de visão do que seja "machismo", são pessoas que lutam por menos desiguladade de direitos entre os gêneros.
Já ouvi bobagens como eu não poder ser feminista, por ser homem, como se somente as diretamente oprimidas o fossem, e não qualquer pessoa que conheça, tenha sido irmão, filho ou amigo de mulheres que sofreram opressão pudessem lutar por direitos alheios.
Enfim, bom texto, Asa. Abraços
Oi Asa,
ReplyDeleteCaí aqui no seu blog por acaso quando estava pesquisando Justamente sobre falácias. Li seu texto, vi que ele data de 2013, então não sei nem se vc vai ler isso aqui ou se você ainda pensa dessa forma, porém, vou comentar assim mesmo, com todo respeito.
O que você escreveu no final do seu texto é justamente a teoria do escocês aplicada! É você dizendo que elas não são feministas de verdade pq não agem de determinada forma que você julga adequada. Mas elas se dizem feministas também, e de verdade! Isso porque o conceito de "direitos, dignidade e respeito na sociedade que os homens" é muito relativo, até mesmo entre vocês feministas, e a forma de como reivindicá-los não estão claros. Umas acham que mostrar os peitos é uma atitude feminista, outras acham que é coisa de vadia (sem trocadilhos).
Resumindo: São dois grupos, ambos se dizem feministas, ambos clamam o verdadeiro feminismo pra si e apontam para as outras como não feministas.
Olá, Hugo.
DeleteNa verdade eu não questiono a FORMA de reivindicar "os mesmos direitos, dignidade e respeito na sociedade que os homens". Se um grupo quer mostrar os peitos, ok. Não é o meu estilo então não faria isso, mas concordo que estas não são menos feministas que eu.
O que questiono é a legitimidade de grupos que afirmam que mulheres são superiores aos homens e defendem a ideia de instaurar um matriarcado por exemplo. Não considero que isso esteja de acordo com a premissa básica do feminismo, que é a igualdade (ou equidade).
Gostei da forma como me questionou.
Grande abraço