Ótimo artigo na Zero Hora:
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31 de julho de 2011 | N° 16778
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31 de julho de 2011 | N° 16778
ARTIGOS
A cultura do ódio, por Marcos Rolim*
Os sentidos das coisas, não os encontramos nelas. O mundo, em si mesmo, é a realidade do sem-sentido. O sentido é aquilo que nós emprestamos às coisas. Quando vemos algo, quando temos notícia de algo, temos a ilusão de que este algo nos revela o que é. Mas a realidade-do-que-é aguarda nossa intervenção como observador, como leitor, como ouvinte. Por óbvio, as coisas existem independentemente de nossa apreensão, mas o sentido delas corresponde sempre a uma atribuição do sujeito. Vejam os atentados de Oslo, por exemplo. Há muito para se ver ali. Mas o fato, insuperável, é que as pessoas veem coisas completamente diferentes inclusive em um fenômeno extremo com o terror. Há quem, rapidamente, reduza tudo à loucura.
Dezenas de inocentes foram massacrados porque um “maluco” decidiu assim, ponto final. Mas esse “maluco” publicou na internet um manifesto de 1,5 mil páginas propondo a refundação da cristandade europeia, alinhando argumentos racistas e combatendo o que denominou de “aliança marxista-islâmica”. Logo depois, políticos da extrema-direita europeia não se sentiram inibidos em expressar sua concordância com os “argumentos” do terrorista Anders Breivik Behring. “Terrorista”? Não para a imprensa brasileira, que, como regra, prefere chamá-lo de “atirador”. Fosse muçulmano, Behring seria claramente designado como “terrorista islâmico”, mas como é um fundamentalista cristão o termo é “atirador”; muito conveniente.
Nos EUA, a Fox News faz campanha de ódio contra Obama, chamando-o de “socialista”. Em janeiro passado, o discurso de ódio manipulado pelo Tea Party estimulou outro terrorista cristão a cometer a chacina de Tucson, quando seis pessoas foram assassinadas e a deputada democrata Gabrielle Giffords gravemente ferida.
No Brasil, vários dos chamados “formadores de opinião” se divertem há tempo estimulando o ódio político. Esta turma sempre existiu no esgoto da mídia e na folha de pagamento dos políticos corruptos, mas, agora, eles dialogam com o cinismo disseminado socialmente e não só com a direita tradicional. Para piorar o quadro, há um fenômeno novo no qual deveríamos prestar atenção: uma militância religiosa intolerante e homofóbica que mobiliza milhões de pessoas e que se organiza como força política suprapartidária no Congresso Nacional. O lugar da extrema-direita no Brasil não está vago e, infelizmente, quem o ocupa tem a pretensão de falar em nome de Deus. Durante a última campanha presidencial, tivemos a primeira demonstração significativa do que há de regressivo nestes fenômenos políticos. O risco para o Brasil é que tenhamos pela frente pessoas dispostas a aplicar as receitas de ódio em larga escala. Pessoas, enfim, que resolvam ser “coerentes” com os estímulos homicidas que recebem.
*Jornalista
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