por Daniela Andrade
"Quase que só vejo pessoas cis falando quem são as pessoas trans*, como vivem, o que comem, como se reproduzem (estilo Globo Repórter). Quase que só vejo as pessoas cis nos definindo, sequestrando nossas vozes, tomando-nos como objeto e não sujeito do discurso.
E via de regra, estão falando QUEM SÃO as pessoas trans*, mas E O QUE PRECISAM as pessoas trans*? As políticas públicas para que essas pessoas sejam alçadas à condição de cidadãs e cidadãos, onde estão? São raras, esparsas, difíceis de se encontrar.
Sinto muito a falta das pessoas trans* na academia. Sinto a falta de que sejam empoderadas, pois por via de regra, as pessoas jogam a culpa da invisibilidade trans* nas próprias pessoas trans*; seria o mesmo que eu culpar os negros por eles serem escravos, durante o período escravagista - pessoas que, diga-se de passagem, não detém o poder social.
Participei de um debate em uma universidade em que, esperei os palestrantes acabarem de falar para chegar a minha vez. Então, comecei perguntando:
Quantas pessoas trans* fazem parte aqui do quadro de professores da universidade? Tomando as duas identidades trans* mais conhecidas de vocês: travestis e transexuais, quantos professores e professoras são travestis e transexuais? E nessa universidade, suponho que tenha centenas de alunos, quantos desses alunos são travestis e transexuais que vocês conhecem? E na administração, quantas estão trabalhando no administrativo que vocês saibam ser travesti ou transexual? E na área de limpeza, vocês tem alguma notícia de que uma pessoa travesti ou transexual esteja trabalhando limpando a faculdade? Em quantos lugares vocês vêem travesti e transexual e que lugares são esses? Quantas vezes foram atendidas por uma médica ou médico travesti ou transexual? Um dentista ou uma dentista? Um ou uma balconista em loja de shopping talvez? Quantas travestis e transexuais vocês conhecem que dirigem uma empresa? Quantas veterinárias ou veterinários atenderam seu animal de estimação e que era travesti ou transexual? E nas agências de publicidade, nas empresas de informática, na indústria farmacêutica, nas empresas de engenharia, nas padarias, nos restaurantes, no serviço público quem sabe, em quantos desses espaços vocês sabem que há travesti ou transexual trabalhando?
Geralmente ouço: ah, eu conheço uma que é minha cabeleireira, ou, eu conheço uma que é maquiadora (...) se fugir da área da prostituição, automaticamente cai dentro do salão de beleza e estética, como se nós não pudéssemos ter outro destino.
Vocês algum dia pararam para pensar nessa população como... gente? Como pessoas que tem necessidades, dificuldades, pagam contas e também realizam muitas coisas boas como qualquer um? Quantas vezes vocês se perguntaram o motivo de não verem travestis e transexuais ocupando os bancos da universidade? O que a universidade, a sociedade, o governo, vocês têm feito para que esse lugar seja realmente inclusivo, em particular, em relação à essa população? Quantos são os cientistas e as cientistas, os pesquisadores acadêmicos, os bolsistas de iniciação científica, os mestres e doutores brasileiros que são travestis e transexuais?
Geralmente quando falo desse público: travestis e transexuais, só se lembram de prostituição e cirurgias. Já tentaram responder o motivo? E se tentaram, chegaram a uma resposta diferente do que sempre se ouve: de que nos prostituímos sempre é por que na verdade sempre queremos?
Pois bem, refletiremos"
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