Saturday, September 8, 2012

Meu discurso de abertura no Congresso Humanista


A LiHS é acima de tudo Humanista.

Antes de conhecer a LiHS eu já havia participado de outras organizações, mas a ênfase maior nelas era o ateísmo. É importante e louvável defender os direitos dos ateus na sociedade, mas essa ideia é relativamente simples e não demanda muito tempo nem teorias.

Depois de um tempo comecei a pensar, "mas é só isso?" Ateísmo é de fato só uma negação? E aí, o que fazemos com isso?

Então eu cheguei à conclusão de que o ateísmo é um ponto de partida, uma mudança de direção, e não um objetivo em si mesmo. Pensamos, avaliamos e analisamos todos os argumentos, e a partir disso algumas pessoas chegam à conclusão de que o ateísmo é o que faz mais sentido para elas. Mas é basicamente isso, uma conclusão. O que vamos fazer a partir deste ponto é que pode variar bastante. Algumas pessoas se satisfazem com a conclusão e fica por isso. Outras pessoas vão tomar caminhos diferentes, sempre de acordo com a sua própria natureza íntima. Não há uniformidade entre os ateus, assim como não há uniformidade entre religiosos , ou de resto qualquer outro tipo de grupo.

Quando conheci a LiHS percebi que nela se abria um leque de atuação que ia além do ateismo. Quando fui convidada a participar dela, aceitei com prazer.
Humanismo é, em poucas palavras, "Razão a serviço da compaixão". Então na sua essência, humanismo é compaixão. Vou além, humanismo é empatia.
Empatia é a capacidade de "sentir com", de se colocar no lugar do outro e entender como ele/ela se sente. Se formos capazes de fazer isso, já não conseguimos agir de maneira a causar infelicidade e sofrimento.

Quando agimos de maneira insensível, ridicularizando e agredindo alguém por suas convicções e crenças, em 99% dos casos as pessoas vão se afastar. Isso não ajuda em nada, muito pelo contrário.

A melhor estratégia é tratar as pessoas com gentileza, porque há uma probabilidade maior de que parem e escutem o que temos a dizer. Gostaria de dar um exemplo pessoal:

Meu pai era uma pessoa muito racional. Até os meus 21, 22 anos eu fui ateia, mas de alguma forma eu criei uma aversão a essa ideia, entre outras coisas porque o meu pai era praticamente o meu único modelo, e não tínhamos um bom relacionamento. Era pouco acolhedor, distante; hoje eu sei que ele devia sofrer da síndrome de Asperger, que faz com que a pessoa tenha pouca capacidade de interação social.

Uma das coisas que fiz foi estudar astrologia, e acreditava sinceramente na validade dela. Meu pai não acreditava, é claro, mas quando ele tentou me confrontar com a falta de base da astrologia, foi muito natural que eu resistisse, e não me dispus a escutar os seus argumentos.

Com os anos o meu pai se tornou mais tolerante e menos confrontador. Um dia ele me pediu que eu fizesse o mapa astral dele. Ele percebeu que fiquei surpresa e me disse, "não é que eu acredite em astrologia, mas eu acredito que você seja uma boa astróloga". E acrescentou, "acho que seria interessante ver o que viria através de um filtro como você".

O resultado foi que eu fiz o mapa dele, mas não consegui sentar e analisá-lo com ele. Percebi que eu seria incapaz de justificar e sustentar uma argumentação diante de um cético como ele. E entendi também que o que ele queria saber era o que eu pensava a respeito dele. E que eu não precisava de um mapa astral para isso.

Percebi que era isso que eu fazia com todos; o mapa só servia como um catalisador da conversa que eu tinha com as pessoas, o que elas sentiam e pensavam. Eu sempre fui boa ouvinte e sempre me importei em tentar entender as pessoas e dar alguma sugestão que as ajudasse.
E eu podia fazer isso muito bem sem mapa nenhum.

Este foi um passo em direção ao ateísmo também. Não o único, outro fator importante foi quando descobri que a minha filha e um dos meus filhos haviam chegado ao ateísmo de forma independente. Importante frisar que eu não criei os meus filhos para serem ateus, mesmo porque eu não era ateia durante a infância e adolescência deles. Eu também não era teísta, mas deísta. Em todo caso, eles ficaram livres para tomar as suas decisões.

Todos esses fatores juntos acabaram me levando a um ponto em que senti que não conseguia mais acreditar em nada disso. Não foi muito fácil, levou algum tempo.

O que eu queria frisar mesmo com esse relato é que a mudança de atitude do meu pai foi muito importante. A gentileza dele associado ao pedido que ele fez foi fundamental para que eu tivesse condições e a coragem de reavaliar a minha crença na astrologia.

Queria transmitir a ideia de que, assim como a atitude gentil do meu pai teve muito mais efeito do que o confronto, também nós deveríamos agir da mesma forma com as pessoas que tem crenças diferentes das nossas. Acredito que uma atitude verdadeiramente humanista com relação às pessoas pode não convencê-las de nada a princípio, mas as tornará bem mais propensas a pensar e considerar os nossos argumentos.

A LiHS é acima de tudo uma entidade humanista. Gostaria que todos os seus integrantes entendessem que a gentileza é uma das nossas melhores estratégias.

Mas a história do ateismo na minha família vai muito além do meu pai.

O ateísmo na minha família é praticamente uma tradição. Desde a minha bisavó que, tudo indica, era ateia pela forma como ela simplesmente não menciona a religião em seus escritos - cartas e diários - reunidos em um livro e publicados pela minha vó paterna. Por causa desse livro sei muita coisa sobre o passado da minha família.

Há mais de cem anos meu avô paterno fazia parte de uma organização estudantil de livrespensadores na Finlândia chamada Prometheus. A Prometheus existiu entre 1905 e 1914, e lutava por um Registro Civil na Finlândia, o direito dos que não tinham religião de se casar no civil e registrar os seus filhos sem ter que batizá-los. Pode parecer estranho hoje, mas até o ano de 1921, só havia a opção de casar e batizar os filhos em alguma igreja como forma oficial de regulamentação. Também reivindicavam o fim do ensino religioso obrigatório nas escolas, e outras coisas semelhantes.

O fato é que o meu avô e os outros integrantes da Prometheus não lutaram pelo fim da religiosidade em si, eles lutaram por espaço, pela liberdade não ter religião, pelo direito de ocupar o seu espaço em uma sociedade onde todos tivessem as suas convicções respeitadas. Eles também lutaram por um Estado Laico, mas isso eles não conseguiram. Até hoje a Finlândia tem uma religião oficial, a Igreja Luterana.

Erra muito quem pensa que o ateismo na Finlândia tem alguma relação com o comunismo. Na verdade é exatamente o contrário. Uma Associação para discutir filosofia e iluminismo chamada Valhalla existiu entre 1781 e 1786 por influência do Iluminismo francês. Houve uma publicação sobre liberdade de religião em 1863. Em 1889 já se discutia sobre a teoria de Darwin.

Houve uma tentativa de estabelecer uma associação ateista em 1887, mas foi suprimida pelo Csar; a Finlândia ainda pertencia à Rússia na época. Só se tornou independente quando ocorreu a revolução russa, e foi depois disso que a maioria das reivindicações da Prometheus foram atendidas pelo governo.

O meu avô foi secretário dessa organização durante a maior parte de sua existência. Um dos integrantes se chamava Rolf Lagerborg, e ele teve um papel importante. Ele enfrentava a igreja em assuntos como moralidade e também a igualdade entre homens e mulheres. Sobre ele tem uma história bem peculiar. Como ele era contra a obrigação de casar na igreja, ele achou uma forma um tanto inusitada de se casar. Tenham em mente que isso tudo se passou uns cem anos atrás. Ele combinou com a noiva dele que ela o denunciaria ao Juiz por 'se recusar a levá-la diante do pastor', apesar de ter 'coabitado' com ela. Imaginem o escândalo na época e o quanto essa mulher foi corajosa. Ele disse ao Juíz que de fato se recusava a levá-la ao pastor, mas que ele não se recusava a se casar com ela; e que se o juíz assim determinasse e resolvesse julgá-los casados, isso ele aceitaria. Não conheço todos os detalhes dessa história, mas eu a ouvi ainda criança quando foi comentada em conversas familiares.

A Finlândia foi um dos primeiros países onde as mulheres tiveram reconhecido o seu direito de voto. E eu cresci em uma família onde as expectativas que meus pais tinham de mim eram basicamente as mesmas que tinham do meu irmão. É claro que havia machismo mesmo lá, mas menos. Uma das coisas que percebi quando me mudei para o Brasil foi que não havíamos viajado só geograficamente, havíamos viajado para trás no tempo mais ou menos uns vinte anos. O Brasil na década de 70 estava, em termos de moralismo e feminismo, mais ou menos onde a Finlândia estava na década de 50.

Sou uma 'quebra de estereótipos' ambulante. Além de eu não corresponder minimamente ao estereótipo que se tem dos ateus, também não correspondo ao estereótipo de feminista. Na verdade, embora eu sempre tenha sido, eu demorei para entender que eu devia deixar isso claro para as pessoas, que eu sou feminista. A palavra recebeu uma conotação pejorativa com o tempo, muito graças a seus detratores que precisavam abafar esse movimento. Está havendo uma forte reação atualmente para resgatar o termo, e mostrar o que feminismo de fato significa.

Feminismo não é odiar homens, para começar. O nome disso é misandria. Também não é se considerar superior aos homens, o nome disso é femismo (cá entre nós, eu chamo de babaquice mesmo). Somos uma espécie sexuada, homens e mulheres precisam uns dos outros. Como poderíamos conviver satisfatoriamente se uma das partes despreza a outra? Se há competição em vez de colaboração, um casamento não dura. A única solução humanista para um convívio pacífico e satisfatório é se formos capazes de nos ver como gente antes de mais nada.

Isso é totalmente condizente com o Humanismo, cujo enfoque também é o de que devemos ver todas as pessoas como indivíduos com direitos que devem ser respeitados, independente de qualquer outro fator.

6 comments:

  1. Que vontade de ouvir isso com o teu sotaque Asa... ;)

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    1. Foi filmado, assim que for possível será postado no Youtube. :)

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  2. Eu gosto de sua maneira direta mas cuidadosa no expressar. O importante não é destruir as crenças do outro, mas nos unirmos numa necessária empatia uns com os outros, entendendo os limites de cada um, e tirando proveito das ações participativas e inclusivas. Ninguém é melhor ou pior que ninguém, precisamos nos unir em nossas necessidades comuns para desfrutar prazeres distintos. Sem ou outro, nada somos. Sem nós mesmos, não somos nada. Unidos uma coisa nova surge. Este é o sentido de espiritualidade para mim.

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    1. Obrigada pelo comentário, fico feliz em ver que mais pessoas pensam assim.
      Abraço

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  3. Ser simples é genial, ser complicado é burrisse. Você Âsa é sempre simples e genial. Você concorda que está na hora do Eli e você pensarem em se juntar ao Jean lá no congresso nacional? Eu acho que sim.

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    1. Bosco, fico até envaidecido com o seu comentário, mas sou estrangeira e não tenho direitos políticos. E mesmo que tivesse, política é uma área muito complicada.
      Abraço

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